APOSENTADO VOLTA AO ADO PARA TRANSFORMAR MEMÓRIAS EM FILME
O esforço, a alegria e a criatividade de um menino pobre para enfrentar a vida dura e escassa no interior mineiro, no início dos anos 70, formam o coração da história "O Tempo era 1972", escrita por Ademir de Sena Moreira. Baseada nas lembranças do aposentado, a história é a quinta a ser transformada em filme pelo Curta Vitória a Minas II. As gravações começaram nesta segunda-feira (13/02) e prosseguirão até quarta-feira (15/02), no Naque (MG). O projeto é patrocinado pelo Instituto Cultural Vale, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, e conta com a realização do Instituto Marlin Azul, Ministério da Cultura/Governo Federal.
Ademir nasceu em 1958, no Naque, quando o lugar ainda pertencia ao município de Açucena. É o segundo de sete filhos da professora Naná e do lavrador Nenêgo. Sua mãe dava aula nas escolinhas dos lugarejos e o pai plantava, trabalhava em obras, amansava animal bravo e também tinha o lado da barganha, da troca de uma coisa por outra, um cavalo em um porco, um porco em um relógio.
Apesar das dificuldades financeiras, a família se mantinha unida e forte. Desde menino, Ademir sempre foi inventivo, inteligente e bem-humorado. Construía os próprios brinquedos, estudava e buscava um jeito de arrumar uns trocados pra ajudar no sustento da casa, localizada num pequeno lote na parte central da cidade. Um dos primeiros trabalhos, aos 11 anos de idade, foi quebrar pedra para a construção da ponte sobre o Rio Santo Antônio.
"Eu e meu irmão andávamos uns seis quilômetros até a pedreira. Nós pegávamos uma pedra como assento, outra que tivesse uma bancada que desse pra bater cada pedra com uma marreta e íamos formando um monte com pedras pequenas, como se fossem britas. Eu levava um cafezinho para quem colocava a dinamite na pedreira e esse moço separava do montante dele uns cacos mais finos pra juntar nosso monte, que era pesado em latas de 18 litros e pago no final da semana", relata o aposentado.
Da infância até a adolescência, o garoto sempre deu um jeito de conseguir um dinheiro nas horas em que não estava na escola. Vendeu sorvete na rua, plantou capim nas fazendas, engraxou sapato em porta de boteco, engordou galinha pra vender e buscou laranja nos sítios para comercializar de casa em casa.
Certa vez tentou construir um pequeno cômodo ao lado da casa onde morava para vender banana. "Quando criança, a gente ficava fantasiando o futuro. De frente pra minha casa, havia um botequim que vendia amendoim torrado, banana madura, aquele negócio simples. Nós podemos fazer isso, pensei, temos banana verde no quintal. Um cacho de banana verde era muita coisa pra nós. Pensamos em fazer tijolo de barro e montar uma paredinha. Eu comecei a montar essa parede, mas eu não sabia amarrar os tijolos. Chegava a uma certa altura, caía. Não consegui montar. A gente queria progredir na vida. Não era competir, mas sobreviver", relata.
Esperança e superação
Ademir cresceu junto com a esperança de uma vida melhor. Ao seu redor, o lugar também se transformava com o ar dos anos. O menino acompanhou as mudanças na ferrovia trazidas pelo progresso, viu a remodelação dos trajetos, a retirada das curvas pra diminuir as distâncias e os custos e a duplicação dos trilhos. Uma das obras foi a construção da canaleta às margens da linha férrea para escoar a água que descia do morro direcionando-a para o Rio Doce. Ele e o irmão Tuca montaram um pequeno negócio para aproveitar a vinda dos trabalhadores para o empreendimento. Os dois acordavam cedo, compravam pão na padaria, pegavam o caminhão junto com os trabalhadores e partiam para o canteiro a fim de vender pão com manteiga.
"A gente acabava a venda, fazia uma hora, ouvia uns causos e voltava a pé pela rodovia pra casa. Algumas vezes, conseguíamos uma carona. Outras vezes, o caminhão que levava a turma ia buscar água cerca de 14 quilômetros, no Periquito. Íamos junto pra esticar as pernas, esticar a brincadeira um pouco mais, naquela coisa de viajar, até pra conhecer outros lugares, e pra ajudar a pegar água num bicão de uma farinheira. Ficávamos todos satisfeitos!", lembra Ademir que, na época, tinha 14 anos.
Cinquenta e um anos depois, Ademir, aos 64 anos de idade, está transformando em filme suas aventuras e desventuras nesta ficção selecionada pela segunda edição do Curta Vitória a Minas. As gravações acontecem em diferentes partes da cidade, envolvendo no elenco, familiares e amigos do aposentado, que é casado com a Mariza e pai da Kênia e do Ademir Júnior.
Saiba mais sobre o Curta Vitória a Minas II
O Curta Vitória a Minas II selecionou 10 histórias vindas de cidades que se desenvolveram no entorno da Estrada de Ferro Vitória a Minas para transformar em curtas-metragens de até 15 minutos. Após a seleção, os autores se reuniram com profissionais do cinema para estudar noções audiovisuais básicas e, em seguida, voltaram para suas cidades de origem para organização da pré-produção dos filmes.
Nesta nova etapa, o projeto está gravando as ficções e documentários. Desde janeiro já foram gravados os filmes "Dezinha e Sua Saga", da auxiliar de serviços gerais Luciene Crepalde, de Nova Era (MG); "Reciclando Vidas e Sonhos", da coletora de materiais recicláveis, Ana Paula D C Imberti, de Ibiraçu (ES); "O Último Trem", do vendedor Fabrício Bertoni, de Colatina (ES); "Santa Cruz", de Rita Bordone, de Ipatinga (MG), e, neste momento, "O Tempo era 1972", do aposentado Ademir de Sena Moreira, do Naque (MG).
Ainda serão gravados os seguintes curtas-metragens: "T-Rex e a Pedra Lascada", do biólogo Luã Ériclis, de João Neiva (ES); "Colatina, A Princesa do Rock", do jornalista Nilo Tardin, de Colatina (ES); "Lia, Entre o Rio e a Ferrovia", da professora e comunicadora Elisângela Bello, de Aimorés (ES); "Mães do Vale: Um olhar sobre a Maternidade", da contadora Patrícia Alves, de Coronel Fabriciano (MG); e "Um Ponto Rotineiro", da estudante Jaslinne Pyetra, de Baixo Guandu (ES). Depois de prontos, os filmes serão exibidos para as comunidades numa tela de cinema montada ao ar livre em sessões abertas nas cidades envolvidas.